A Babushka <$BlogRSDURL$>


Nas palavras encontramos o confronto firme, dos nossos pensamentos, que teimam em contrariar a nossa camuflada sabedoria! [Reptil Vamp] - Click

abril 23, 2005

De tarde


Naquele pic-nic de burguesas,
Houve uma coisa simplesmente bela,
E que, sem ter história nem grandeza,
Em todo o caso dava uma aguarela.

Foi quando tu, descendo do burrico,
Foste colher, sem imposturas tolas,
A um granzoal azul de grão-de-bico
Um ramalhete rubro de papoulas.

Pouco depois, em cima duns penhascos,
Nós acampámos, inda o Sol se via;
E houve talhadas de melão, damascos,
E pão-de-ló molhado em malvasia.

Mas, todo pão puro a sair da renda
Dos teus dois seios como duas rolas,
Era o supremo encanto da merenda
O ramalhete rubro de papoulas!


(Cesário Verde)


abril 21, 2005

Sem destinos...


Sentado no areal estou, nesta praia imensa e deserta, à beira mar observo a linha do horizonte, de bloco e lápis na mão, apetece-me escrever o que sinto, mas nada me vem à ideia a não ser esta enorme tranquilidade que se respira entre ventos e maresias não se ouvindo nada mais a não ser o chilrear das gaivotas a esvoaçar nos céus dos mistérios que ocultam a sua beleza.

Cheguei aqui sem destino, apenas quero pensar, pensar nesta tranquilidade que respiro, envolto em mistérios por desvendar no meio desta calma que assolam ideias e nos entregam imaginação, ouço os ventos assobiar, como se estivessem a falar comigo e as ondas do mar a galgar a areia da praia, penso no que sou e nos vários eus dentro de mim, converso com todos eles, aconselho-me nas minha lisuras de incompreensão e peço ajuda aos anjos que me controlem esta minha insatisfação de não poder estar sempre ali a ver ao longe a linha do horizonte, mas eles não me ouvem, com o barulho das ondas do mar e do chilrear das gaivotas.

Vejo ao longe um vulto negro a esvoaçar acima da linha de água - e juro que não bebi nem fumei nada - cada vez se aproximando mais da minha imagem, senti por momentos a respiração descompassadamente intranquila e ofegante pela sensação que me beijava os sentidos, pensando que me viria buscar. para sítios de outras galáxias onde a luz faz muito mais sentido do que as trevas. Políticas do universo onde não há lugar a partidos, consciências puras, desprovidas de vaidade e outros sentimentos que não interessam nada, a não ser, confundir aquilo para que fomos destinados. Oh vulto negro, me envolve e abraça, me beija, para poder absorver toda a tua misteriosa sabedoria, terás certamente, também, de abraçar todos os outros que não entendem o prazer da satisfação neste mundo inculto de saberes ilusórios que nos mudam e transformam naquilo que agora somos e nos tornámos


abril 20, 2005

de burro[...]


Quando eu morrer batam em latas,
Rompam aos berros e aos pinotes-
Façam estalar no ar chicotes,
Chamem palhaços e acrobatas.

Que o meu caixão vai sobre um burro
Ajaezado à andaluza:
A um morto nada se recusa,
E eu quero por força ir de burro...
..................................................

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Mário Sá Carneiro


...caria




TABACARIA



NÃo sou nada. Nunca serei nada.
NÃo posso querer ser nada.
E parte isso, tenho em mim todos os sonhos do mundo.
Janelas do meu quarto,

Do meu quarto de um dos milhões do mundo que ninguém sabe quem são
(E se soubessem quem são, o que saberiam?),
Dais para o mistério de uma rua cruzada constantemente por gente,
Para uma rua inacessí­vel a todos os pensamentos,

Real, impossivelmente real, certa, desconhecidamente certa,
Com o mistério das coisas por baixo das pedras e dos seres,
Com a morte a p'ra humidade nas paredes e cabelos brancos nos homens.
Com o destino a conduzir a carroça de tudo pela estrada de nada.

Estou hoje vencido, como se soubesse a verdade.
Estou hoje lúcido, como se estivesse para morrer,
E não tivesse mais irmandade com as coisas
Senão uma despedida, tornando-se esta casa e este lado da rua

A fileira de carruagens de um comboio, e uma partida apitada
De dentro da minha cabeça,
E uma sacudidela dos meus nervos e um ranger de ossos na ida.


Álvaro de Campos


abril 19, 2005

Ilusões desfeitas...




Mãos que escrevem
sonhos relevantes
mãos que acariciam
caras de ilusões
corpos arqueados
pelo peso de quimeras
sonhos desfeitos em tristezas.

Sombras de presentes já passados
verdadeiros e envenenados
futuros de incertezas
em corpos já arqueados
longe dos tempos da beleza
juventudes ilusórias
cresceram em corpos engelhados
já gastos pelo tempo.

Ilusões de desfeitas perdidas
apaixonadas mágoas de outrora.

Vinde a mim corpos ondulantes
esbeltos e perfeitos
que já não me lembro da juventude
vinde e preenche-me a sede
com o teu corpo
para poder recordar
esta minha juventude.

Vinde suas caras malvadas
apaziguar esta minha dor
que me destrói e consome
por não vos poder, voltar a ter.



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