A Babushka <$BlogRSDURL$>


Nas palavras encontramos o confronto firme, dos nossos pensamentos, que teimam em contrariar a nossa camuflada sabedoria! [Reptil Vamp] - Click

junho 15, 2006

UMA VIDA A TRÊS

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Hábil e perspicaz na captação das nuances e complexidades das relações humanas, Michael Cunningham prova que o seu talento como escritor não se esgota no célebre "As Horas" (o seu livro mais mediático, cuja fama foi auxiliada pela adaptação cinematográfica gerada por Stephen Daldry em 2002).

Uma Casa no Fim do Mundo A Home at the End of the World inclui retratos do turbilhão emocional de um trio de protagonistas, interligados através de laços de amor e amizade. A história centra-se na relação de Jonathan e Bobby, que forjam uma profunda amizade na infância e se reencontram ao entrarem na idade adulta. À conexão dos dois rapazes será adicionada a presença de Clare, o terceiro elemento deste triângulo, com quem os dois amigos partilharão o lar. Esta intrincada e pouco convencional relação será a base de um novo tipo de família que os três tentarão sedimentar, à qual se acrescenta ainda Alice, a mãe de Jonathan, e um inesperado bebé.

Narrado na primeira pessoa por Jonathan, Bobby, Clare e Alice, o percurso destas personagens colide em diversos momentos e toca em questões como as fronteiras entre a amizade e o amor, estilos de vida contraditórios, ambiguidade sexual ou tensão familiar.

Michael Cunningham convida-nos a entrar no universo interior de cada um dos protagonistas, encetando uma viagem pelas oposições e convulsões humanas, ambientes de solidão e processos de adaptação. Esta visão do âmago das personagens revela-se mais aprofundada na primeira parte do livro, quando Jonathan, vulnerável e indeciso, e Bobby, misterioso e circunspecto, se conhecem na entrada da adolescência e tentam descodificar o mundo em conjunto.

Essa riqueza emocional já não se encontra tão presente na descrição do reencontro dos dois amigos anos mais tarde, e a forte interligação de ambos é, infelizmente, relegada para segundo plano. É pena que o autor tenha seguido uma via menos arriscada e criativa na segunda metade do livro, uma vez que os relatos das experiências de Bobby, Jonathan e Clare em Nova Iorque seguem uma via mais convencional e não tão intrigante. Não é que a história não contenha ainda originalidade, mas adopta um tom mais linear e superficial, recusando mergulhar no abismo interior dos protagonistas e ficando uns furos abaixo das atmosferas iniciais da obra.

De resto, o desapontante final comprova essa perda de vitalidade da narrativa, não esclarecendo as motivações de algumas personagens e apresentando um desenlace inconclusivo. Não obstante, "Uma Casa no Fim do Mundo" situa-se acima da média e proporciona um interessante estudo de personagens, ainda que não seja a obra-prima cujo absorvente início parece prometer ("Enquanto a Inglaterra Dorme", de David Leavitt, percorre domínios semelhantes e atreve-se a ir mais longe).

O estilo de Cunningham, sóbrio, detalhado e tridimensional sem deixar de ser acessível, consegue catapultar o livro para a lista de obras recomendáveis e suficientemente viciantes, confirmando o autor como um dos nomes fortes da literatura norte-americana contemporânea. Agora só falta mesmo esperar pela adaptação cinematográfica de Michael Mayer (prevê-se a chegada a Portugal em 2005) e contrastar os resultados...


UMA VIDA A TRÊS

Hábil e perspicaz na captação das nuances e complexidades das relações humanas, Michael Cunningham prova que o seu talento como escritor não se esgota no célebre "As Horas" (o seu livro mais mediático, cuja fama foi auxiliada pela adaptação cinematográfica gerada por Stephen Daldry em 2002).


Uma Casa no Fim do Mundo A Home at the End of the World inclui retratos do turbilhão emocional de um trio de protagonistas, interligados através de laços de amor e amizade. A história centra-se na relação de Jonathan e Bobby, que forjam uma profunda amizade na infância e se reencontram ao entrarem na idade adulta. À conexão dos dois rapazes será adicionada a presença de Clare, o terceiro elemento deste triângulo, com quem os dois amigos partilharão o lar. Esta intrincada e pouco convencional relação será a base de um novo tipo de família que os três tentarão sedimentar, à qual se acrescenta ainda Alice, a mãe de Jonathan, e um inesperado bebé.

Narrado na primeira pessoa por Jonathan, Bobby, Clare e Alice, o percurso destas personagens colide em diversos momentos e toca em questões como as fronteiras entre a amizade e o amor, estilos de vida contraditórios, ambiguidade sexual ou tensão familiar.

Michael Cunningham convida-nos a entrar no universo interior de cada um dos protagonistas, encetando uma viagem pelas oposições e convulsões humanas, ambientes de solidão e processos de adaptação. Esta visão do âmago das personagens revela-se mais aprofundada na primeira parte do livro, quando Jonathan, vulnerável e indeciso, e Bobby, misterioso e circunspecto, se conhecem na entrada da adolescência e tentam descodificar o mundo em conjunto.

Essa riqueza emocional já não se encontra tão presente na descrição do reencontro dos dois amigos anos mais tarde, e a forte interligação de ambos é, infelizmente, relegada para segundo plano. É pena que o autor tenha seguido uma via menos arriscada e criativa na segunda metade do livro, uma vez que os relatos das experiências de Bobby, Jonathan e Clare em Nova Iorque seguem uma via mais convencional e não tão intrigante. Não é que a história não contenha ainda originalidade, mas adopta um tom mais linear e superficial, recusando mergulhar no abismo interior dos protagonistas e ficando uns furos abaixo das atmosferas iniciais da obra.

De resto, o desapontante final comprova essa perda de vitalidade da narrativa, não esclarecendo as motivações de algumas personagens e apresentando um desenlace inconclusivo. Não obstante, "Uma Casa no Fim do Mundo" situa-se acima da média e proporciona um interessante estudo de personagens, ainda que não seja a obra-prima cujo absorvente início parece prometer ("Enquanto a Inglaterra Dorme", de David Leavitt, percorre domínios semelhantes e atreve-se a ir mais longe).

O estilo de Cunningham, sóbrio, detalhado e tridimensional sem deixar de ser acessível, consegue catapultar o livro para a lista de obras recomendáveis e suficientemente viciantes, confirmando o autor como um dos nomes fortes da literatura norte-americana contemporânea. Agora só falta mesmo esperar pela adaptação cinematográfica de Michael Mayer e contrastar os resultados...


junho 14, 2006

O Poeta

O poeta vivia no campo, entre prados e bosques. Porém, todas as manhãs ele ia à grande cidade que ficava a muitas milhas de distância, envolvida em névoas tristes, no topo das colinas.

Todas as tardes ele regressava. E à luz indecisa do crepúsculo, crianças e adultos juntavam-se à sua volta a fim de ouvi-lo narrar as coisas maravilhosas que ele vira naquele dia nos bosques, no rio e no topo das colinas.

E ele lhes contava como os pequeninos faunos escuros o espreitavam dentre as folhas verdes do bosque.

Contava-lhes também como o grande centauro o encontrava no alto da colina e, sorrindo, galopava, envolvido em nuvens de pó.

Estas e muitas outras coisas maravilhosas o poeta narrava às crianças e aos adultos quando se reuniam a sua volta, todas as tardes, enquanto as sombras se adensavam à aproximação do crepúsculo cinzento.

Contou-lhes histórias maravilhosas de coisas surpreendentes criadas pelo seu espírito, porque o tinha pleno de lindas fantasias.

Um dia, porém, o poeta, regressando da cidade grande através dos bosques, viu, de fato, os pequeninos faunos escuros espreitando-o dentre as folhas verdes. E quando se dirigiu para o lago, as nereidas de cabelos esverdeados emergiram da água cristalina e cantaram para ele ao som de suas harpas. E também quando alcançou o topo da colina, o grande centauro galopou sorrindo, envolvido em nuvens de pó.

Naquela tarde quando, ao pálido crepúsculo, os adultos e as crianças se juntaram a ele para ouvir as coisas maravilhosas que vira naquele dia, o poeta lhes disse:

- Hoje nada tenho para lhes contar; não vi coisa alguma.

Isto porque, naquele dia, pela primeira vez na sua vida, ele os vira de fato e, para um poeta, a fantasia é a realidade e a realidade nada significa.

Oscar Wilde


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