Hoje não são as minhas palavras que vos deixo, mas algo que gosto muito e resolvi partilhar…
Imagem de Howard Schatz
Sem dizer fogo – vou para ele. Sem enunciar as pedras, sei que as piso – duramente, são pedras e não são ervas. O vento é fresco: sei que é vento, mas sabe-me a fresco ao mesmo tempo que a vento. Tudo o que eu sei, já lá está, mas não estão os meus passos e os meus braços. Por isso caminho, caminho porque há um intervalo entre tudo e eu, e nesse intervalo, caminho e descubro o meu caminho. Mas entre mim e os meus passos há um intervalo também: então invento os meus passos e o meu próprio caminho. E com as palavras de vento e de pedra, invento o vento e as pedras, caminho um caminho de palavras.
Caminho um caminho de palavras (porque me deram o sol) e por esse caminho me ligo ao sol e pelo sol me ligo a mim
E porque a noite não tem limites alargo o dia e faço-me dia e faço-me sol porque o sol existe
Mas a noite existe e a palavra sabe-o.
(António Ramos Rosa in "De Sobre o Rosto da Terra" - 1961)