A Babushka <$BlogRSDURL$>


Nas palavras encontramos o confronto firme, dos nossos pensamentos, que teimam em contrariar a nossa camuflada sabedoria! [Reptil Vamp] - Click

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maio 19, 2006

Puzzle

Trago nas mãos feridas em sangue, toco-te e tu não sentes, toco-te e o sangue fica comigo. Ficam comigo as máculas, as chagas, ficam comigo as angústias e as noites de adormecer duvidoso, o meu sangue é um líquido espesso e quase pesado, um líquido transparente que se esfuma em anéis circulares, outros nem tanto.

Anda hoje de manhã te olhei por detrás das imagens secretas, por detrás das janelas fechadas, o pó é sempre o mesmo, o meu. olhei-te e nem deste por mim, vi-te dormir, atirado em cima da cama desfeita no calor que a noite te trouxe, o cabelo espalhado sobre a almofada, o respirar pesado sobre coisa nenhuma, olhei-te, vi-te, senti-te o pulsar do sangue, o coração-máquina, os olhos fechados sobre os sonhos onde não consegui entrar.

Acordei e senti-te em mim, as mãos que nunca me tocaram, a boca que nunca me respirou, senti-te a ausência e coisa nenhuma se materializou em mim, fechei de novo os olhos, breve flash que não pude conter, fechei os olhos e entrei em ti, vi-te sorrir e dizer coisas sem sentido, como ecos de palavras ou frases sem fim. Vi-te baixar o olhar e olhares-me mesmo assim, ouvi-te a voz a procurar o tom e soube que o encontraste perdido ali, falas sempre tão baixinho nos sonhos em que te visito.

Trago nas mãos feridas em sangue que hão-de sarar, por sobre as nuvens cinzentas há sempre um véu que se abre e te acolhe, por sobre as nuvens há sempre o que nunca se viu nem se viveu, e as mãos que te tocam acolhem-te o desalento, alinham-te o cabelo espalhado sobre a almofada para a seguir o desarrumarem, porque as coisas são como são e não como as supomos, porque tu és como és e eu não quero mudar-te.

Esta noite sonhei contigo, dizias baixinho, a sorrir, qualquer coisa breve que não consegui escutar, prometeste que a repetias um dia, quando estivéssemos a sós e o tempo nos puxasse deste para outro lugar, quando a ilha se abrisse e as janelas fossem molduras de momentos a guardar.

Esqueci as feridas que trazia, em sangue, nas mãos. Esqueci o que me violou, o que me partiu, o que me construiu, não importa, somos todos feitos de pó, somos todos puzzles impossíveis de resolver.

publicado por Lenia Rufino no dn jovem, edição na net, 21 de abril de 2006


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