Cartas para alguém nunca existiu...
"Porque será que tantas vezes somos melhores seres humanos através das palavras? Esta serei mesmo eu? Ou apenas o delinear de um livro que um dia escreverei mesmo que seja somente para mim? "Treinei" anos a fio, anos e anos de escrita em papéis que escondia para que não me lessem a alma, para que não troçassem de mim, "que mania que tens de estar sempre a escrever essas coisas tão fúnebres..." Era o meu "escape", a única forma de me soltar. E ao fim de uns minutos de raiva escrita respirava melhor. A música por vezes tem esse poder sobre mim, mas é mais raro. E os papéis andam sempre comigo para que nem sentada no comboio sinta o tremendo tédio do vazio. Nunca fui de estar quieta, o que não deixa de ser espantoso dada a minha preguiça inata. Mas a minha mente tem que estar constantemente em movimento. Talvez não saiba estar só. Já me acusaram de tal e penso que com toda a razão. Não teria jeito para meditar e um dia percebi que o amor escrito é fascinante, leva-nos a um limbo estranho entre o real e algo que ultrapassa tudo. Talvez não a todos, talvez apenas a mim... Não sei.
Foi como se entendesse aquilo a que chamo "o outro lado" e esse amor de que falam quando se morre. Acredito que te possa fazer falta neste momento essa ternura que lês em mim (e não só a minha) enquanto o teu frigorífico se mantiver sem vida, a luz não estiver acesa ao chegares a casa. Colecciono vidas e se não vivi tudo, conheço demasiadas histórias. O meu encaixe emocional (demasiado frágil) não me permite continuar a escrever como Ana no teu cantinho... a Sofia fá-lo-á por ela, talvez não no mesmo tom, talvez num outro formato. Não tenciono fugir, não depois das tuas palavras, por mais medo que tenha, e olha que tenho imenso... Tenho saudades do mar, assim, no silêncio que me descreves.
Sinto a tua falta nos momentos em que não existes. Quero que me abraces, me agarres e puxes para o teu colo porque quero beijar-te e deixar de saber onde estou, sentir-te e ver apenas o teu rosto. E se eu não soubesse que sou feita de sangue e carne, de passado e presente, de amor e sofrimento...
dir-te-ia baixinho, novamente... Amo-te."
Autor: Raquel Vasconcelos - Alguém se lembrou de escrever um dia...
Lugar aos Outros