I Am a Bird Now
Antony and the Johnsons
I Am a Bird Now
“Hope There’s Someone� começa com a voz trémula de Antony a deambular e ressoar pelo silêncio necessário para lhe reconhecermos a potente e subversiva taciturnidade e a terminar com um piano que de dolente se transforma em portentosa torrente lacrimante e desesperada, a fazer-nos tremer da cabeça aos pés. Não admira, portanto, que a banda tenha optado por este tema como abertura da peça. Daqui para a frente, de facto, só prossegue quem quer. Os avisos estão feitos. E a apresentação no seu grande esplendor não podia ser melhor. Está preparado para isto? Não tema. É apenas música. Boa música.
“My Lady Storyâ€� mantém o tom arrebatador mas Antony and the Johnsons travam um pouco o lado auto-destrutivo e comiserador. Passamos a reconhecer a soul de forma bem presente, tal como em “For Today I am a Boyâ€�. A voz trémula, os coros de apoio (bem-vindo à pop-com-inspirações-de-música-de-câmara) e o piano mantêm-se, num caminho solene que ao aproximar-se do fim se engrandece, acumula pratos, timbalões e vozes para nos arrasar os corações. Até aqui já deu para perceber o objectivo. Quebrar-nos as defesas e arrasar com as paredes de gelo duro. Pôr-nos a recolher e fechar os olhos. Ouvir bem atentamente “Man is the Babyâ€� e esquecer algumas divergências tidas quando da presença de Antony no Lux, a acompanhar as CocoRosie. Percebe-se melhor Antony ao falarmos de Lou Reed, com o qual já trabalhou (e trabalha). Bem como os clubes de drag-queens, transformações transexuais que gosta de executar em aparições públicas e um jogo de evidências sexuais deformadas e ultrajadas com as quais a banda gosta de agitar as hostes das opiniões públicas e crÃtica, como aconteceu no concerto ao vivo “Turningâ€�, em 2004, com a banda a tocar para 13 beldades cujas imagens eram depois projectadas em ecrã gigante. Chega a parecer estranho, senão mesmo contraditório, para quem ouve o álbum de fio a pavio e depois lê coisas como estas, porque de facto não deixa de haver uma certa paz, harmonia e ao mesmo tempo compaixão solene pelas melodias e composições existentes no álbum. Que, diga-se em bom abono da verdade, se não têm origens limpidamente originais, não deixam de ser mágicas, melÃfluas e enaltecedoras. A editora Secretly Canadian está de parabéns pela aposta e produção, mas mais estão os Antony and the Johnsons, que até contam com a participação de Rufus Wainwright (“What Can I Do?â€�), Boy George (“You Are My Sisterâ€�), Devendra Banhart (“Spirallingâ€�) e ainda Lou Reed (“Fistful of Loveâ€�), já para não falar na assinatura da foto de capa, de Peter Hujar (‘Candy Darling on Her Deathbed’, 1974 – uma alusão à Candy Darling de Andy Warhol, outra das inspirações de Antony). É preciso dizer mais? Mais um pouco e terÃamos como nome do álbum “Antony & Friendsâ€�, o que também não estaria mal. Mas Antony, e a Secretely Canadian, acertadamente não transformam o extenso rol de fabulosas colaborações numa tocha promocional, antes fazendo recair as atenções na peça fabulosa que é o disco em si. Um disco de onde podemos imediatamente sentir uma extrema intimidade, um tom confesso, aqui e ali exibicionista, aqui e ali triste sem chegar a ser lamechas e de certa forma nebuloso, negro mas nunca negativo. “I Am a Bird Nowâ€� é por isso um dos melhores álbuns deste ano de 2005 a chegar à s prateleiras de discos. Merecerá, contudo, poder de iniciativa por parte de quem escuta, quer na procura das palavras de Antony, quer pela coerente e acertada contribuição dos amigos que nunca apaga o real-man-show que é Antony e que estranhamente ainda vai sendo desconhecido, mesmo já indo no seu segundo álbum de originais.